Ghost gears, a matança cruel e desnecessária de vida marinha

MONACHUS SCHAUINSLANDI
Um assassino sorrateiro e silencioso está dizimando inutilmente a vida marinha nos oceanos – e sem chance de defesa para suas vítimas.

Equipamentos de pesca perdidos ou abandonados por barcos pesqueiros permanecem ativos e capturam indefinidamente mamíferos marinhos ­­(baleias, golfinhos, leões marinhos e focas principalmente), tartarugas, aves, peixes e tudo o mais que se aproxime destas velhas armadilhas, muitas vezes atraídos por uma aparente refeição fácil – algum outro animal já enredado. São chamados de ghost gears, equipamentos fantasma.

Os números são de estarrecer. Segundo o PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, anualmente são perdidos ou deixados para trás nada menos que 800 mil toneladas de equipamentos de pesca, que inclui FADs, redes, espinheis, cabos, gaiolas e armadilhas, responsáveis pela morte de no mínimo 130 mil mamíferos marinhos todos os anos.  E para cada tonelada de equipamento perdido estima-se ainda que são vitimadas outras 125 toneladas de vida marinha.

Apenas como uma comparação que dá bem a dimensão do problema, recentemente o Japão indignou a opinião pública internacional ao anunciar que pretende abater 4 mil baleias minke “para pesquisa” nos próximos doze anos, algo como 330 animais por ano.

Dentre os equipamentos fantasma, causa grande preocupação a disseminação dos chamados FADs, sigla em inglês para fish agreggating devices, ou equipamentos de agregação de peixes, que nada mais são do que objetos flutuantes lançados em mar aberto, muitas vezes com uma enorme quantidade de redes e outros tipos de lixo, que tem a propriedade de atrair cardumes de peixes pelágicos como atuns ou dourados.

Os FADs são lançados pelos barcos de pesca e tem sua localização acompanhada por satélite ou sinal de rádio. Mais tarde os barcos voltam para capturar os cardumes que foram atraídos pela sombra do aparato. Estima-se que haja atualmente entre 80 a 120 mil FADs à deriva, que nunca mais foram avistados ou recuperados pelos seus pescadores.

Além do evidente dano ambiental, os ghost gears acabam causando grandes  prejuízos à própria indústria pesqueira e à atividade de navegação, ao se enroscar em equipamentos de pesca ativos ou hélices, danificando os sistemas de propulsão de barcos e navios.

Em julho de 2017, a WPA – World Animal Protection (novo nome da tradicional Sociedade Internacional de Proteção Animal), reuniu pela primeira vez em Londres um grupo de 75 pessoas composto por ambientalistas, representantes governamentais e da indústria da pesca para discutir e compartilhar ideias sobre como lidar com o problema. Desta reunião surgiu a GGGI – Global Ghost Gear Initiative, que está conclamando grupos de todo o mundo para desenvolver um plano global para o problema.

No Brasil, a WPA lançou a campanha “Pesca Fantasma”  através do  site http://bit.ly/2ebpicB .  Nele, existe um mapa interativo e um formulário para comunicação de avistamentos de materiais de pesca à deriva no mar e um apelo para que todos que estejam navegando não deixem de informar a localização de qualquer equipamento encontrado.

Em muitos lugares do mundo os ghost gears começam a ser recolhidos em quantidades significativas, o que tem gerado um problema de destinação do material coletado, já que são de difícil reciclagem.  Mas esta é certamente uma outra questão.

A WPA acaba de publicar a edição 2019 do seu relatório Fantasma sobre as ondas, onde são analisadas as condutas das 26 maiores empresas globais de pesca. O notável é que, na maioria delas há uma disposição de engajamento na solução do problema, apesar de que os resultados concretos ainda sejam nulos.

As duas maiores empresas de pesca atuantes no Brasil, a Camil e o Grupo Calvo, detentoras das marcas Coqueiro e Gomes da Costa se mantém olimpicamente indiferentes ao assunto.